O padrão de corpo belo ideal sofreu e ainda sofre inúmeras transformações ao longo dos anos. A “beleza” já foi mais arredondada, já foi mais comprida e voltou a ser arredondada. Mulheres com gordurinhas sobrando eram cobiçadas e as marcas dos pneuzinhos faziam os homens virarem o pescoço. Hoje em dia as magras ocupam as revistas, mas dependendo do tipo de mídia o corpo ideal também muda. Nas passarelas da alta costura o que reina é o tipo longilíneo e extremamente magro, mas em revistas sobre a boa forma, o corpo mais musculoso é o preferido.
Dependendo da localidade, a preferência também muda. No Brasil, por exemplo, a “bunda” é conhecida como preferência nacional, enquanto nos Estados Unidos a fartura dos seios ganha destaque. E isso ocorre dentro de cada país ou mesmo dentro de uma mesma cidade. Na contemporaneidade há diferentes formas de beleza, o que não quer dizer que não existam resistências a essas “tendências”.
Seguindo esse modelo de “beleza”, criou-se o corpo perfeito para “desfilar” a roupa. A moda ocidental, como uma instituição que cria tendência e define padrões, tem um molde pré-concebido do corpo ideal, aquele que deve ser exposto nas revistas e passarelas. Esse modelo atualmente exalta a magreza como característica de um corpo perfeito. No entanto, algumas reações vêm acontecendo nas passarelas européias. A primeira “Semana de moda” a levantar a polêmica foi a de Madri em 2006, um dos eventos mais prestigiosos da Espanha, porém considerado de pouca importante dentro do quadro de moda europeu.
Segundo o site da BBC Brasil, as modelos com índice de massa corporal (IMC) - adotado pela Organização Mundial de Saúde para o cálculo do peso ideal de cada indivíduo - inferior a 18 kg/m², foram proibidas de desfilar no evento pela Associação Espanhola de Estilistas de Moda. A presença de modelos consideradas magras excessivamente nas passarelas levou a protestos de médicos e grupos de defesa dos direitos das mulheres. Das potenciais participantes 30% não passaram no teste para a série de desfiles. O governo espanhol justificou a atitude dizendo que quer criar uma imagem mais positiva da beleza para adolescentes, pois a moda é um espelho para adolescentes. (BBC Brasil online, 13 set 2006)
Após essa restrição alguns setores do mundo da moda expressaram indignação. Cathy Gould, da agência de modelos de Nova York Elite, disse que a indústria da moda está sendo usada como bode expiatório para doenças ligadas ao peso. "Eu entendo que eles queiramestabelecer o padrão de mulheres saudáveis bonitas, mas a discriminação é contra a modelo e a liberdade do estilista?", perguntou ela (idem).
Por outro lado, a atitude teve uma resposta favorável por alguns setores da moda. A Semana de Moda de Milão do mesmo ano lançou um código de conduta contra modelos “anoréxicas”. A ação se repetiu no ano de 2007, quando a roupa de número equivalente ao 36 brasileiro foi abolida das araras e ainda foi distribuída uma cartilha especial com informações básicas sobre como reconhecer sinais de bulimia e anorexia. Além disso, as peças mais ousadas, com decotes generosos na frente ou com as costas nuas, foram vestidas por modelos que não exibiam omoplatas sobressalentes ou costelas à mostra.
O Brasil, no entanto, parece querer continuar com o padrão “anoréxico” nas passarelas. A questão sobre a magreza gerou debate, mas não alterou o “uso” de modelos extremamente magras. A maior polêmica foi motivada pelo inglês Michael Roberts na Fashion Rio de fevereiro de 2008, segundo informa a Folha de São Paulo. O fotógrafo, que trabalha para a revista Vanity Fair, disse ser uma vergonha não encontrar negras desfilando e estar surpreso pelo Brasil não aproveitar sua diversidade. O styling Felipe Velloso, que escolheu modelos de três desfiles se defendeu argumentando que adoraria ter negras na passarela, mas há poucas na profissão (Folha de São Paulo, 06 jun. 2007).
Em 2009, a polêmica ficou por conta do acordo que a organização da São Paulo Fashion Week (SPFW) assinou com o Ministério Público Estadual, se comprometendo a incentivar as grifes a contratar 10% de modelos afro-descentes e indígenas para os desfiles. A medida, chamada de “termo de ajustamento de conduta”, dividiu opiniões dos estilistas, das agências de moda e das próprias modelos. (Lilian Pacce, 22 mai, 2009)
Segundo a promotora que propôs a idéia, Déborah Kelly Affonso, o percentual de modelos no evento, em torno de 3%, é bem menor que o de brancos e seu objetivo é fazer um acordo de inclusão social. Paulo Borges, diretor da semana de moda paulista, avisou por meio de sua assessoria que o fato de ter adotado um filho negro deixa claro, por si só, sua posição política contra o racismo. Já Gloria Coelho está entre os que defendem que a imposição da cota de modelos negros na passarela pode interferir na obra do estilista. (idem)
O estilista Lino Villaventura teme que não haja modelos negras suficientes para atender a exigência o que pode levar a um aumento do cachê das meninas disponíveis. Dudu Bertholini, designer da grife Neon, classificou a iniciativa como “hipócrita”. “Acho preconceituoso, um absurdo. Desse jeito são as autoridades que provocam a segregação, pois essa medida vai constranger as modelos negras”, diz o estilista. “As meninas se sentirão desconfortáveis, sem saber se foram escolhidas por terem talento ou por causa de uma obrigatoriedade política hipócrita”, completa. (idem)
Bertholini, que garante não utilizar o critério racial ao selecionar as tops que desfilarão para sua grife, afirma que não existe preconceito no meio fashion. “Não é justo apontar o dedo na cara da moda e dizer que há discriminação. Há 40 anos o Yves Saint Laurent já colocava modelos negras na passarela”.
Moisés Júnior, booker da agência Ten Models, vê de maneira positiva a medida tomada pelo Ministério Público. “Claro que a situação em relação há dez anos melhorou muito. Mas, infelizmente, as oportunidades de trabalho para as modelos negras continuam escassas”, opina. “A procura das grifes por afro-descendentes é mínima. Posso dizer, de maneira geral, que de dez castings que aparecem aqui por semana, um ou dois são direcionados para as negras”. (idem)
Nos Estados Unidos, após a posse do primeiro presidente negro, Barack Obama, a revista Vogue América quadruplicou o número de páginas destinadas às modelos afro-descendentes. Considerada um termômetro editorial no mundo, a publicação tem vocação para mexer com o mercado: a revista tem o maior poder comercial de todo o mundo da moda. Segundo o site da SPFW, nos primeiros quatro meses de 2008, a Vogue América disponibilizou 14 páginas divididas em apenas duas ediçõesdedicou 90 páginasMichele Obama e Beyoncé, respectivamente. (SPFW, 09 abr, 2009) (janeiro e março) para modelos negras. No mesmo período de 2009, pós-eleição de Obama, a mesma revista às afro-descendentes (uma média de 22,5 páginas por edição), sendo que duas dessas edições (março e abril) tiveram como capa personalidades negras -
Dessa forma, percebe-se que a moda também pode ser usada como forma de contestar e criticar as identidades. Foi o que fez o movimento punk, com suas peças de roupa detonadas e chocantes, feitas para provocar a burguesia. Mas a moda sempre sai ganhando, tanto que a estética punk passou de contestação a artigo de luxo, explorada e banalizada por diversas grifes. Da mesma forma, enquanto no passado o uso do sutiã era tido como um símbolo da escravização da mulher pela moda, atualmente é a ausência desta peça que causa incômodo nas feministas mais radicais, revoltadas com a exploração do corpo feminino.
[1] O IMC é calculado dividindo o peso pela altura ao quadrado. Uma pessoa que pesa
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